Natalia Becker foi indiciada por homicídio com dolo eventual após um empresário morrer em decorrência de um procedimento conhecido como peeling de fenol, em São Paulo. Ela aprendeu a técnica em um curso online que custava R$500, pelo qual passaram mais de mil alunos.
A dona da clínica de estética disse à polícia ter feito o curso online da farmacêutica paranaense Daniele Stuart. Chamado de “Aula de peeling de fenol atenuado”, é hospedado na plataforma online Hotmart. De acordo com o site, teve mais de mil alunos matriculados. Na clínica que mantinha na Zona Sul de São Paulo, a empresária cobrava R$ 4.500 por aplicação e fazia, em média, dois tratamentos por semana.
Daniele Stuart disse no Instagram que utiliza um tipo de fenol chamado de N.Face nos procedimentos. De acordo com Felipe Ribeiro, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia e coordenador científico da International Peeling Society (Sociedade Internacional de Peeling), o produto não tem comprovação científica. A esteticista declarou ao jornal do O Globo que vai “aguardar mais informações sobre o caso” e que no momento “não tem nada a declarar”.
A farmacêutica paranaense vende diversos cursos de estética em suas redes sociais, onde tem 17 mil seguidores e dá dicas para profissionais que querem começar na área. Integrantes de conselhos de medicina ouvidos declararam ao O Globo que, pela legislação federal, procedimentos como o peeling de fenol não podem ser ensinados por pessoas que não são formadas em medicina. Contudo, há uma zona cinzenta na regulamentação (leia mais abaixo) sobre quem pode ou não realizar os procedimentos.
A formação necessária para realizar aplicações do peeling de fenol
De acordo com Felipe Ribeiro, a formação para procedimentos do tipo demanda uma longa especialização. “É necessário cursar os seis anos de medicina e fazer também os três anos de residência. Sou professor de uma disciplina de peelings químicos na Universidade de Mogi das Cruzes e nos dois primeiros anos de residência o aluno só observa a realização do procedimento, para somente no terceiro ano começar a fazer por conta própria”.
O médico reforça que, para além da estética, o peeling com fenol também é utilizado para tratamento de prevenção em casos de possível câncer de pele. “É um procedimento médico, que precisa ser ensinado por médicos. Se é realizado com a técnica correta, seguindo todos os padrões, o risco é muito minimizado. Sem a técnica adequada, pode causar parada cardíaca e o desfecho mais dramático é a morte”, disparou.
Segundo ele, é comum que dermatologistas atendam pacientes depois complicações causadas por aplicações de peeling com fenol por profissionais que não são médicos. “Hoje, quase metade dos meus pacientes vêm de complicações causadas por não médicos. ‘N.Face’ é um dos produtos usados por não médicos que não tem nenhuma comprovação científica”, afirmou ele.
De acordo com Luciana Guimarães, advogada especialista em direito médico e da saúde, a legislação atual determina que procedimentos invasivos, como o peeling, devem ser ensinados por dermatologistas habilitados e em ambiente hospitalar. “Apenas (podem lecionar) os que são membros da Sociedade Brasileira de Dermatologia”.
Daniele Stuart é farmacêutica e, em 2022, em uma ação movida pelo Conselho Federal de Medicina, a Justiça Federal anulou uma resolução do Conselho Federal de Farmácia que permitia que farmacêuticos realizassem procedimentos estéticos invasivos.
“É muito comum alguém dizer que pode realizar determinado procedimento porque o conselho da sua profissão permitiu, mas existe uma lei federal, a Lei do Ato Médico, que determina que qualquer procedimento invasivo que ultrapasse a epiderme é de exclusividade do médico”, declarou Jeancarlo Fernandes Cavalcante, vice-presidente do Conselho Federal de Medicina.
Fernando Aith, professor titular da pós-graduação da Faculdade de Direito da USP, contudo, declarou que existe um limbo jurídico sobre quem pode ou não realizar procedimentos como o peeling de fenol. “No Brasil, os conselhos são autarquias federais e podem se autorregular. Uma resolução do Conselho Federal de Medicina vale tanto quando o de Farmácia e essas brigas acabam indo parar na Justiça. Isso tem acontecido muito no campo da estética. A Lei do Ato Médico não resolveu essa questão (dos procedimentos invasivos) e existe uma guerra entre os conselhos nessa área”.
O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) defende que procedimentos invasivos como este devem ser feitos por médicos. O Conselho Regional de Farmácia do Paraná não informou se farmacêuticos podem ou não fazer procedimentos estéticos, mas disse que vai instaurar um procedimento administrativo para averiguar a conduta de Daniele Stuart. No site do Conselho, ela aparece como farmacêutica estética “especialista em estética avançada e métodos invasivos”.
A plataforma Hotmart, que hospeda o curso, declara em nota que “o produtor é responsável pelo conteúdo ofertado e que atende às condições exigidas por lei para exercer a profissão. A companhia também oferece um canal de denúncia para que qualquer pessoa aponte eventuais descumprimentos dos Termos ou outras ilegalidades por parte dos produtores de conteúdo. A Hotmart segue à disposição das autoridades para colaborar com informações adicionais no decorrer das investigações do caso”.
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